Se você já leu sobre tratamentos de tuberculose resistente, provavelmente encontrou o nome ethionamide. Mas como esse antibiótico chegou às farmácias e por que ele ainda é importante hoje? Vamos percorrer a linha do tempo, das primeiras pesquisas nos laboratórios até a inclusão nas diretrizes globais.
No final dos anos 1940, cientistas da Organização Mundial da Saúde já coordenava estudos sobre agentes anti‑tuberculose começaram a investigar compostos derivados de sulfonamidas. Em 1953, o químico britânico John H. Cummins publicou a primeira síntese da etionamida como potencial inibidor da síntese de ácidos micólicos. O mecanismo ainda era hipotético, mas os testes in vitro mostraram atividade contra Mycobacterium tuberculosis bactéria causadora da tuberculose.
Após a descoberta, a empresa farmacêutica norte‑americana Merck & Co. assumiu a responsabilidade de otimizar a formulação para uso humano iniciou ensaios em ratos. Em 1957, os primeiros estudos de toxicologia apontaram hepatotoxicidade moderada, mas a eficácia contra cepas resistentes superou expectativas. Nos anos 1960, o Instituto Nacional de Saúde (NIH) financejou ensaios clínicos de fase II nos Estados Unidos, confirmando que a etionamida podia ser combinada com isoniazida primeiro‑linha no tratamento da tuberculose e com rifampicina outro antibiótico de primeira linha.
Em 1965, a Food and Drug Administration agência americana que regula medicamentos concedeu a aprovação para uso da etionamida em casos de tuberculose multi‑fármaco‑resistente (MDR‑TB). A aprovação europeia seguiu em 1970, liderada pela Agência Europeia de Medicamentos. No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) incorporou a etionamida ao rol de medicamentos de dispensação sob prescrição a partir de 1974. Essa trajetória regulatória revelou o consenso internacional sobre a necessidade de um fármaco de segunda linha.
Hoje, a etionamida aparece em protocolos que combinam quatro ou mais fármacos, especialmente quando a resistência afeta isoniazida e rifampicina. Um esquema típico inclui etionamida, capreomicina antibiótico aminoglicosídeo usado contra Mycobacterium tuberculosis, p-aminosalicílico derivado da salicilato com atividade anti‑tuberculosa e, ocasionalmente, fluoroquinolona. A dose padrão varia entre 15‑20 mg/kg/dia, dividida em duas administrações. Em adultos, a duração costuma ser de 12‑18 meses, dependendo da resposta microbiológica.
| Ano | Evento |
|---|---|
| 1953 | Síntese inicial por John H. Cummins |
| 1957 | Primeiros estudos de toxicologia em ratos (Merck) |
| 1965 | Aprovação da FDA para MDR‑TB |
| 1970 | Registro na União Europeia |
| 1974 | Incorporação ao catálogo da Anvisa |
| 1995 | Inclusão nas Diretrizes da OMS para TB resistente |
| 2020 | Revisão de dose para pacientes com HIV |
Apesar da eficácia, a etionamida tem duas grandes limitações. Primeiro, a resistência pode surgir através de mutações no gene ethA, que codifica a enzima ativadora do pró-fármaco. Estudos de 2022 realizados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) entidade americana que monitora doenças infecciosas mostraram que 12 % das cepas MDR‑TB já apresentam resistência pré‑existente.
Segundo, os efeitos colaterais são frequentes: náuseas, vômitos, hepatite e, em alguns casos, neuropatia periférica. Por isso, o monitoramento hepático mensal é obrigatório nas diretrizes atuais. Pacientes com insuficiência hepática graves podem precisar de dose reduzida ou troca por alternativa como a linezolida antibiótico de última linha contra TB resistente.
Em 2023, a Organização Mundial da Saúde publica recomendações globais de tratamento de tuberculose manteve a etionamida como fármaco de segunda linha, mas recomenda que seja usada apenas quando a sensibilidade ao medicamento puder ser confirmada por teste genético ou fenotípico. A OMS também sugere a combinação com fluoroquinolona de alta potência para reduzir a duração total do tratamento.
Novas formulações de liberação prolongada estão em fase de teste clínico no Brasil e na Índia, prometendo melhorar a adesão ao tratamento. Além disso, pesquisas de edição gênica (CRISPR‑Cas9) visam reverter mutações em ethA, o que poderia restaurar a sensibilidade da bactéria à etionamida. Enquanto isso, programas de acesso rápido da OMS continuam a garantir fornecimento em países de baixa renda, mantendo a etionamida como peça-chave no combate à tuberculose resistente.
A etionamida é um pró‑fármaco que, após ativação pela enzima EthA, inibe a síntese de ácidos micólicos, componentes essenciais da parede celular de Mycobacterium tuberculosis. Sem a parede celular, a bactéria não sobrevive.
É recomendada para casos de tuberculose multirresistente (MDR‑TB) ou extensivamente resistente (XDR‑TB) quando outros fármacos de primeira linha não são eficazes. Também pode ser usada em co‑infecção HIV/TB com ajustes de dose.
Os efeitos mais comuns são distúrbios gastrointestinais (náuseas, vômitos), hepatite induzida por droga e neuropatia periférica. Monitoramento de enzimas hepáticas a cada 4 semanas é obrigatório.
A resistência costuma ocorrer por mutações no gene ethA, que impede a ativação do pró‑fármaco. Testes moleculares de PCR identificam essas mutações antes de iniciar o tratamento.
Para pacientes que não toleram etionamida, opções incluem linezolida, bedaquilina e pretomanida, porém cada uma tem seu perfil de custo e efeitos colaterais que precisam ser avaliados individualmente.
5 Comentários
Taís Gonçalves
18 outubro, 2025A história da etionamida mostra como a ciência evolui passo a passo. Cada descoberta, mesmo que pequena, cria bases para tratamentos mais eficazes. No caso da tuberculose resistente, o papel desse fármaco foi fundamental para salvar vidas. Vale lembrar que a pesquisa continua, principalmente nas formulações de liberação prolongada que prometem melhorar a adesão. Por isso, profissionais de saúde devem ficar atentos às atualizações nas diretrizes.
Paulo Alves
25 outubro, 2025Mano, etionamida ainda tá aí, serve pra MDR‑TB, então não dá pra largar.
Brizia Ceja
1 novembro, 2025Como eu não me emociono ao ler que a etionamida já salvou tantas pessoas? Cada dose, cada mês de tratamento é uma batalha contra o medo da resistência. A gente sente o peso das hepatites e da neuropatia nas histórias dos pacientes, e isso deixa um gostinho amargo. Ainda assim, a esperança de novas formulações me deixa ansiosa por dias melhores.
Letícia Mayara
8 novembro, 2025A presença da etionamida nas diretrizes da OMS evidencia seu valor terapêutico, sobretudo em casos de MDR‑TB. Contudo, o monitoramento hepático ainda é um desafio que requer protocolos claros e capacitação dos profissionais. A combinação com fluoroquinolonas de alta potência pode, de fato, reduzir a duração do tratamento, algo que beneficia tanto pacientes quanto sistemas de saúde. É importante que políticas públicas garantam o acesso a testes genéticos para detectar mutações em ethA. Dessa forma, conseguimos usar o fármaco de forma mais segura e efetiva.
Consultoria Valquíria Garske
15 novembro, 2025Embora a etionamida seja aceita nas normas internacionais, ainda questiono se os benefícios superam os riscos hepáticos em larga escala. Muitos estudos focam nos números, mas ignoram o impacto na qualidade de vida dos pacientes que sofrem com náuseas constantes. Talvez fosse hora de investir mais em alternativas menos tóxicas.